Por Atila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional Brasil
No início desta semana, muitas pessoas ao redor do mundo esperaram ansiosamente pela decisão sobre o indiciamento do policial que matou a tiros um jovem negro e desarmado nos Estados Unidos. O assassinato de Michael Brown no dia 9 de agosto ocorreu no subúrbio americano de Ferguson, no Missouri, mas encontra grande ressonância no Brasil. O trágico curso dos acontecimentos que levaram à morte do adolescente poderiam facilmente ter acontecido nas ruas de nossas cidades ou favelas.
Dos 56 mil homicídios registrados no Brasil em 2012, 30 mil foram de jovens entre 15 e 29 anos. Isto significa que neste exato momento alguém está morrendo. Quando você for dormir, terão sido 82. É como se um avião de pequeno porte cheio de jovens caísse a cada dois dias. Os números são chocantes por si só, mas saber que 77% destes jovens são negros, é escandaloso.
Desde 1980, mais de 1 milhão de pessoas foram assassinadas no Brasil. De acordo com o Global Burden of Armed Violence 2008, no período de 2004 a 2007, mais pessoas foram mortas aqui no país do que nos 12 principais conflitos mundiais.
As obrigações internacionais assumidas pelo Brasil em direitos humanos indicam que as autoridades competentes devem tomar medidas eficazes para proteger o direito à vida e enfrentar a discriminação racial, inclusive assegurando que práticas de policiamento não acentuem desigualdades.
A violência, no entanto, não afeta a sociedade de forma igual. Em comunidades pobres e marginalizadas as estatísticas chamam atenção. As consequências do preconceito e dos estereótipos negativos associados a estes jovens e aos territórios das favelas e das periferias devem ser amplamente debatidas e repudiadas.
No mês em que comemoramos a consciência negra observamos o crescimento, articulação e alcance de muitos grupos que defendem os direitos dos negros do Brasil. Entretanto, parte da sociedade ainda se recusa a aceitar o impacto da violência letal, principalmente na juventude negra.
Mesmo sendo mortos em grande número, jovens negros tornaram-se invisíveis, seja porque os moradores de seus bairros se acostumaram a ver tantas mortes ou porque o problema está fora da perspectiva de quem pode tomar medidas para mudar esta situação. Eles também são vítimas da “guerra às drogas” do Estado e de uma força policial militarizada que vê os jovens, e os jovens negros em particular, como potenciais inimigos. As taxas de homicídios da polícia no Brasil estão entre as mais elevadas do mundo.
A indiferença com a qual o tema é tratado na agenda pública nacional é inaceitável. Esteve presente de forma tímida no debate eleitoral, está fora das manchetes dos jornais. Parece que a sociedade brasileira naturalizou esta situação. É por isso que a Anistia Internacional lançou a campanha Jovem Negro Vivo. Nós queremos ver nossos jovens vivos e acreditamos que podemos mudar esta realidade.
(Foto de capa: Anistia Internacional)
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